Havia já dois presos no cubículo novo para onde eu fora levado. Um deles, um homem alto, corpulento, de barba preta, assim falava, conversando em voz baixa com o companheiro:
– Durante esta semana só consegui comer um rei. Você teve mais sorte, devorou dois!
O outro, sem se perturbar, com uma naturalidade impressionante, retorquiu:
– Não se lembra mais você da rainha que comeu o mês passado?
– Santo Deus – disse comigo mesmo – estou aqui, numa prisão, com dois loucos terríveis! Esses homens, verdadeiras feras, falam em devorar um rei, como se um soberano de cetro e coroa, fosse um bife que se come às pressas na hospedaria da estrada. Eram, com certeza, republicanos exaltados, que, arrastados pela paixão política, haviam perdido o uso da razão; e a mania deles, no triste estado de demência em que se achavam, era a extravagante preocupação de transformar todos os monarcas da terra em iguarias e manjares.
Confesso que tive grande medo dos meus companheiros de prisão. E se eles me tomassem por algum soberano da Grécia ou da Bulgária? Estaria eu irremediavelmente perdido.
Lembrei-me então do conselho prudente de um velho médico amigo meu: “Quando estiveres entre os doidos, finge-te doido também.
E foi isso que resolvi fazer. Passar, aos olhos daqueles dois loucos, por um terceiro louco, vítima da mesma mania. Levantei-me, então, solene, e a eles me dirigi da seguinte forma:
– Isso que os senhores contam não é nada! Já comi, em menos de um ano, vários reis, rainhas e princesas.
E como os regicidas já me observassem com grande espanto, achei mais prudente acrescentar:
– Já enguli vivo um arquiduque com roupa, medalha e tudo!
– Esse camarada está doido –– resmungou o homem da barba preta.
– Louco varrido – acrescentou o outro. – O melhor é não lhe dar importância alguma. Vamos jogar uma partida.
O homem da barba preta puxou então de sob uma banqueta rústica um tabuleiros de xadrez e uma coleção de peças encardidas e toscas, desse conhecido jogo. Só então percebi o engano e atinei com o ridículo em que havia caído. Aqueles dois homens não passavam de simples e pacatos enxadristas; as peças do jogo – reis, damas, bispos, cavalos, etc – na falta de material mais próprio, eram fabricadas com miolo de pão. Pela combinação original existente entre eles, o vencedor de cada partida tinha o direito de devorar o rei adversário. Isso importava, para o vencido, num grande sacrifício, pois era forçado a economizar, nas refeições seguintes, uma parte do pão suficiente para fabricar um novo rei.
Do livro de Malba Tahan: Maktub
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domingo, 3 de fevereiro de 2008
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